BARCELONA, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Ostentando pouco mais de 20 anos de existência, o festival espanhol Primavera Sound ganhou com razão um lugar à mesa entre os grandes, como Lollapalooza e Glastonbury. Nas últimas décadas o evento se tornou o abre-alas para a temporada de shows do verão europeu ao apontar ineditismos para além do alto escalão do pop. Ondas que anualmente ressoam na Europa e vão dar até no verão sul-americano, incluindo Brasil.
Neste ano, porém, o Primavera Sound hesitou em sua atuação -ou foi vítima dos tempos. O festival vive em um momento de crise global em que grandes artistas cancelam turnês por falta de demanda e nomes independentes se esforçam para manter as contas no azul. Talvez uma das razões pelas quais a edição de 2024 do Primavera tenha tido apenas um final de semana frente a dois, como foi o caso em 2022 e 2023.
Sem medalhões da eletrônica, sem pesos-pesados do rap nem tampouco estrelas do pop latino, o festival apontou um verão musical de pouca novidade no hemisfério norte. A exceção ficou em nomes como os franceses do Justice.
Potente e maximalista, atual e imprevisível, o duo fez um show digno dos conterrâneos Daft Punk -e mais arejado que a performance do também duo Disclosure. Outra novidade, a gano-americana Amarae também fez um dos melhores shows do festival com sua mistura de pop e “alté” -o lado mais alternativo do afrobeats.
De fato, quem segurou mesmo o Primavera Sound de 2023 foram as artistas. A americana SZA foi impecável no seu espetáculo soul pop moderno, algo que fizera no Lollapalooza Brasil deste ano. Mais espontânea, Mitski, que tocou no Brasil em 2022, também controlou com maestria o palco principal do festival. Lana Del Rey e PJ Harvey mantiveram o prumo das apresentações no maior palco, fechado pela irlandesa Róisín Murphy. Com apurada verve dance music, ela transformou o chão sob o público numa elegante pista de baile.
A britânica Charli XCX, única entre as grandes com álbum novo engatilhado, fechou a última noite do evento com uma performance energético. Sozinha sobre o palco, passou por hits antigos que embalaram a massa de britânicos lotando o Parc del Fórum -um dos maiores públicos do festival, segundo a organização. Mais arrojada e menos popular, a venezuelana Arca também fechou uma das noites do evento no topo com seu reggaeton digitalizado e desconstruído.
Mais tímido, o rock brilhou nos palcos de médio porte do Primavera Sound -um deles homenageando Steve Albini, histórico produtor americano. Nos palcos grandes, os únicos destaques foram o grupo Vampire Weekend, que vem de novo álbum pouco inspirado, e o Deftones, banda do fim dos anos 1990 que tem experimentado uma segunda vida com o redescobrimento do nu-metal nas redes sociais.
Shabaka Hutchings, um dos maiores nomes da imponente onda recente de jazz britânico, foi outro ponto forte do festival. O artista mostrou todo o seu virtuosismo em instrumentos de sopro e, num respiro, afirmou que “é importante tocar em um festival que reconhece a Palestina”.
Bandeiras palestinas eram vistas aqui e acolá durante o evento, estampadas em camisetas ou projetadas em palcos. O próprio festival exibiu um pequeno memorial para as vítimas da guerra no Oriente Médio.
Também explorando o jazz, Freddie Gibbs e Madlib exibiram vigor no show em comemoração de dez anos de lançamento do álbum “Piñata”, cânone do hip-hop contemporâneo. O Clipse foi mais um ponto alto do festival ao recuperar uma faceta alternativa do hip-hop americano dos anos 2000 -o duo, formado pelo rapper Pusha T e seu irmão Malice, voltou aos palcos em 2022 depois de mais de dez anos de hiato.
A bandeira do Brasil foi levantada especialmente por DJs, que tomaram o palco Boiler Room. Misto de agência de festas e acervo audiovisual de apresentações, a Boiler Room é referência na música eletrônica e figurar entre seu grupo de DJs é chancela para alguns seletos que transitam entre o underground e as mais renomadas figuras da cena.
No Primavera, esse trunfo coube a três DJs. Ramon Sucesso foi o primeiro -famoso por seus vídeos nas redes sociais em que exibe destreza ímpar nas máquinas de DJ, o carioca foi prejudicado pelo som abaixo do que se espera para seu tipo de festa, mas ainda assim conseguiu se encontrar em meio a uma plateia de neófitos de seu funk frenético.
Clementaum e Th4ys também se apoiaram no funk em suas apresentações não menos empolgantes -não por acaso, os três DJs foram destacados em publicações do festival nas redes sociais. Clementaum passeou entre gêneros de pista brasileiros e latino-americanos, como a guaracha, e Th4ys exibiu um catálogo potente do mais atual funk paulista de favela.
Outros brasileiros do Primavera foram o DJ Mochakk, listado para uma apresentação de posfácio no domingo, e a banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo. Não fosse pelos DJs, o número de brasileiros em Barcelona estaria aquém do que fora visto em anos anteriores, quando nomes como Pabllo Vittar e Bala Desejo se apresentaram no festival.
O Primavera Sound 2024 fechou com público de 268 mil pessoas. A média de pagantes não varia muito se comparada a 2023 e 2022, ano em que o evento foi retomado após a pandemia. Neste período também teve início a internacionalização do festival com seus braços latino-americanos como o Primavera São Paulo, que nada tem a ver com a organização do festival europeu a não ser o uso da sua marca e, supostamente, sua verve de curadoria.
No Brasil, quem controla o festival é a produtora T4F depois de sua estreia sob o comando do gigante Live Nation -um jogo de cadeiras que já mudou a cara do evento de um ano para outro. Na Europa, o Primavera segue nas mãos dos fundadores e entre acionistas minoritários, um esquema que já garantiu anos de longevidade e renovação apesar de um 2023 menos vistoso.
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