AMILTON PINHEIRO
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Às voltas com o lançamento do livro “Corações de Papel” e a divulgação do espetáculo “Tom Jobim, o Musical”, que estreou no Rio de Janeiro, Nelson Motta chega aos 80 anos fazendo o que sempre fez -trabalhando sem parar. Mas agora em outro ritmo, já que sempre tem projetos na cabeça e outros tantos em andamento.
“Corações de Papel”, é um romance epistolar que surpreendeu Motta chegando “quase pronto”. O ano era 2014, e ele tinha acabado de completar 70 anos. Recebeu uma ligação de uma amiga de longa data que queria presenteá-lo com uma pasta azul contendo as cartas que ele as enviou entre 1964 e 1965, quando engataram um romance na faculdade em que estudavam.
Segundo ela, que virou escritora, as cartas tinham valor literário. Motta recebeu, mas não quis ler os textos. “Tinha medo de me emocionar. Mas que desculpas mais esfarrapada, porque tudo que se quer na vida é se emocionar. Eu vivo para isso”, diz ele no escritório de seu apartamento em Copacabana, enquanto espera o fisioterapeuta.
Ele guardou o conteúdo na gaveta de uma estante de seu apartamento antigo, em Ipanema, e esqueceu aquela história por alguns anos. Quando estava escrevendo o livro de memórias “De Cu pra Lua: Dramas, Comédias e Mistérios de um Rapaz de Sorte”, lançado em 2020, ele quis ver se alguma coisa naquelas cartas podiam ser aproveitadas para o livro.
Mas, inexplicavelmente, a pasta evaporou. “Só a encontrei quando decidir sair do Brasil em 2022 e me mudar para Lisboa”, diz.
Para ele, com a eleição de Bolsonaro, o ambiente no país se tornou insuportável, assim como tinha ficado com o golpe militar em 1964. “Não queria passar por tudo que passamos na ditadura. Eu não tinha a juventude como aliada. Não estava mais aguentando o clima de terror que Bolsonaro e seu governo instalaram no país.”
Em Portugal, tomou coragem para ler as cartas e se surpreendeu positivamente com as coisas que escreveu para a ex, mesmo deixando claro que ali havia atitudes com que hoje não concordaria.
Nas cartas, Nelsinho ou Nelson Candido, como assinava, se revela um jovem apaixonado, cheio de vida, que descobria o amor e um mundo de grandes novidades; o pop e o cinema, suas grandes paixões naquele momento, mas também um certo desencantamento por causa da ditadura militar e o oportunismo com alguns artistas que apostavam em músicas de protestos de ocasião.
O livro traz as cartas em ordem cronológica, cortadas para dar mais fluência e acrescidas de um prólogo e de um epílogo, que Motta escreveu quando decidiu pela publicação.
Mas, segundo ele, não houve nenhuma censura de sua parte. Nenhum assunto que tratou nas cartas com a namorada foi vetado, mostrando inclusive que tinha uma outra relação mais carnal ao mesmo tempo.
Não se poda nem quando escreve a respeito de Chico Buarque: “Continuo achando seu amigo Chico Buarque um grande letrista, um músico mediano e um cantor bem ruinzinho”.
De tudo que fez na vida, mais de 300 músicas, 15 livros, produção de discos, de artistas, de shows, de festivais, de programa de televisão, de colunas em jornais, entre tantas outras coisas, Motta é firme e categórico quando questionado sobre o que mais lhe deu orgulho.
“A música ‘Saveiros’, que escrevi a letra, musicada por Dori Caymmi, que ganhou o Festival Internacional da Canção, em 1966, e interpretada por Nana Caymmi”, começa, para logo em seguida completar com uma segunda parte.
“E ter participado de dois grandes momentos de duas cantoras excepcionais; Elis Regina, com que trabalhei quando ela mudou o rumo de sua carreira, lançando dois discos fundamentais. E o primeiro disco de Marisa Monte, quando ela se lançou, fazendo tudo de forma tranquila, pensada, concebida, desde a escolha de repertório, de não ter um estilo indefinido, cantando vários gêneros musicais, até sua postura no palco.”
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