Justiça permite que trabalhadora ‘demita’ empregador por receber salário menor

(FOLHAPRESS) – Decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) garantiu a uma técnica de farmácia o direito à rescisão indireta do contrato -espécie de mecanismo em que o trabalhador “demite” seu empregador- por ganhar salário menor do que seus colegas homens na mesma função.

 

Na rescisão indireta, o profissional tem direito à multa de 40% sobre o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e ao seguro-desemprego, benefícios pagos apenas quando a dispensa é feita pela empresa e não há justa causa.

A falta de isonomia, segundo a Justiça, é um fato grave que justifica o rompimento do vínculo empregatício por culpa do empregador. Neste caso, ele terá de pagar, além das diferenças salariais, as verbas rescisórias.

Para justificar a diferença na remuneração a empresa afirmou, na ação judicial, que havia um plano de cargos e salários que levava em consideração outros critérios.

O relator da ação, ministro José Roberto Pimenta, afirmou não haver “violação mais grave quanto às obrigações ou aos deveres essenciais do empregador no cumprimento do contrato de trabalho do que não pagar a integralidade do salário ou da remuneração devidos”.

Segundo o TST, essa violação fica ainda pior se houver descumprimento da regra que garante isonomia salarial, prevista na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na Constituição Federal, e hoje reforçada pela Lei da Igualdade Salarial, embora a nova legislação não tenha sido citada na sentença.

O caso é de uma trabalhadora de São Paulo, que foi contratada em 2012 como auxiliar de farmácia, mas, ao ser promovida a técnica de farmácia em 2019, passou a receber salário menor do que seus colegas homens que tinham a mesma função e a mesma qualificação, prestavam serviço na mesma loja e contavam com aproximadamente o mesmo tempo de trabalho.

A Justiça de primeiro grau constatou que havia diferença salarial e reconheceu direito ao mesmo salário e à rescisão indireta.

A empresa recorreu ao TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região), que atende São Paulo, e conseguiu reverter a decisão, garantindo apenas o pagamento das diferenças salariais, mas não o direito à rescisão indireta.

A trabalhadora foi então ao TST, no qual ganhou a causa.

Segundo a advogada Julia Pereira, da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, a chamada justa causa do empregador ocorre em situações específicas previstas em lei, como o descumprimento do contrato de trabalho, o que foi considerado pelo TST na causa.

Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, das áreas trabalhista e previdenciária do FAS Advogados in Cooperation with CMS, diz que o artigo 461 da CLT prevê as regras nas quais deve haver possibilidade de equiparação salarial entre empregados da mesma empresa, e o 483 trata das situações em que há direito à rescisão indireta.

O TST uniu os dois para definir que, no caso, era possível “demitir” o empregador para garantir ao funcionário os direitos trabalhistas previstos em lei.

Segundo ele, é possível ganhar salário igual desde que os empregados realizem trabalho de igual valor, com a mesma produtividade e perfeição técnica, e que a diferença de tempo de contratação não seja superior a quatro anos, e o tempo na função não ultrapasse dois anos.

“Portanto, uma vez preenchidos todos os requisitos legais, as empresas têm o dever de realizar a equiparação salarial entre esses trabalhadores”, diz.

O QUE DIZ A CLT SOBRE A JUSTA CAUSA DO EMPREGADOR?

Segundo artigo 483 da CLT, o trabalhador pode demitir o empregador nas seguintes condições:
– Descumprimento de obrigações contratuais
– Imposição de condições de trabalho inseguras ou degradantes
– Tratamento com rigor excessivo
– Exigência de serviços superiores às forças do empregado
– Ato lesivo à honra do empregado
– Submissão do empregado a perigo manifesto de mal considerável
– Ofensa física ao empregado, salvo em caso de legítima defesa
– Redução do trabalho do funcionário de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários

HÁ ALGUMA OUTRA POSSIBILIDADE DE RESCISÃO INDIRETA QUE NÃO ESTEJA NA CLT?

Mendonça afirma que, embora não conste na CLT, há hoje entendimento crescente na Justiça sobre a possibilidade de rescisão indireta do contrato em casos de assédio sexual, situações relacionadas ao burnout e a “outros temas contemporâneos que afetam a saúde mental e o bem-estar do trabalhador”.

“É fundamental atentar-se às novas dinâmicas da sociedade, sendo imprescindível que o empregador evite situações que comprometam ou interfiram diretamente na vida de seus empregados”, diz.

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