(FOLHAPRESS) – Foi rindo, com certa altivez, que Jerry Seinfeld apareceu na tela do computador para falar do filme que lança nesta semana pela Netflix, que teve piadas concebidas com a ajuda dos “deuses da comédia”, como disse, sem muito empenho.
Notoriamente avesso a jornalistas -ficou famosa sua irritação com uma pergunta de Larry King na TV americana, há duas décadas, na qual botou panos quentes nas próprias páginas deste jornal-, a mente por trás do hit “Seinfeld” não tinha como fugir, porém.
Além de ter escrito o roteiro de “A Batalha do Biscoito Pop-Tart”, ou “Unfrosted”, no mais contido título original, ele ainda dirigiu, produziu e protagonizou o longa, um projeto que orbita, portanto, a sua própria figura.
“Se você fizer o seu trabalho bem e sem prepotência, os deuses vão te favorecer e o público vai rir. Mas você precisa pensar como um servo, não como um recipiente de glória”, afirmou, ao ser questionado sobre as raízes de seu humor e sobre como concebeu as piadas da trama, uma empreitada que causou uma briga de lances de várias plataformas de streaming que a queriam em seu catálogo.
Tudo começou com uma piada contada ao se lançar na noite de stand-up nova-iorquina, após as nove temporadas de “Seinfeld”. Ele tirou sarro de uma parte importante do café da manhã de seus compatriotas, as tortinhas pré-assadas recheadas de geleia que dão nome ao filme -“tão nutritivas quanto as caixas de papel nas quais as embalam”, dizia no número.
Distante da mesa dos brasileiros, as Pop-Tarts começaram a ser produzidas pela Kellogg’s, gigante do setor alimentício, em 1964. A empresa precisava variar seu catálogo de cereais matinais e, após anos de pesquisa, conseguiu enfiar um recheio de frutas não perecível numa massa pensada para as torradeiras.
É o primeiro grande projeto de Seinfeld em anos. Desde o sucesso arrebatador de sua série, ele colecionou créditos de maneira espaçada, sem abandonar os clubes de comédia de Nova York. Apareceu como convidado especial em programas como “30 Rock”, “Inside Amy Schumer” e “Segura a Onda” -ou “Curb Your Enthusiasm”.
Assinou, ainda, sucessos de menor ambição para alguém com seu histórico, como o talk show “Comedians in Cars Getting Coffee” e o stand-up “23 Hours to Kill”. Lançado em 2020, foi seu primeiro trabalho do tipo em duas décadas, parte de um acordo com a Netflix, com quem parece viver uma lua de mel.
No terreno da ficção, porém, o americano se limitou, depois de “Seinfeld”, a escrever o filme de animação “Bee Movie: A História de uma Abelha”, numa empreitada pouco convencional sobre uma abelha que processa seres humanos por consumirem seu mel.
É um tipo de humor nonsense que corre nas veias de Seinfeld e se repete em “A Batalha do Biscoito Pop-Tart”. Mas muita coisa mudou no jeito de fazer comédia desde então, o que não o preocupa tanto. É o que ele diz, meio a contragosto, ao ser confrontado com as ameaças da patrulha cibernética e da cultura do cancelamento.
“Comediantes não controlam para onde a cultura vai, nós estamos lá apenas para refleti-la de alguma forma”, diz.
“Você não pode ser ultrassensível enquanto comediante. Se não quer rir de algumas questões culturais e estereótipos, tudo bem. Mas precisamos saber, na comédia, onde está o limite [do que é ofensivo ou não] e como brincar com ele.”
É uma declaração que custou a sair de sua boca. Seinfeld reclamou que a reportagem estaria supostamente tentando politizar a entrevista, apesar de ele não ser do tipo que se esquiva de assuntos políticos -recentemente, viajou a Israel e reiterou seu apoio ao país em meio à espinhosa guerra travada com o Hamas.
Ele não viu problema, no entanto, em abordar o assunto com um podcast da revista americana The New Yorker, ao qual disse ver a “extrema esquerda”, “o lixo do politicamente correto” e “as pessoas se preocupando demais em não ofender os outros” como ameaças à comédia.
Assim, há em “A Batalha do Biscoito Pop-Tart” cenas que podem incomodar a turba da internet, como um latino-americano que é traficante de “açúcar”, numa alu são à cocaína, e dois homens afetadíssimos que até o final da trama vão se descobrir gays e criar um filho juntos.
“A cultura nos fornece uma estrutura na qual podemos trabalhar, enquanto humoristas. Sempre foi assim, desde o final dos anos 1980, pelo menos”, diz Spike Feresten, corroteirista de “A Batalha do Biscoito Pop-Tart” e também de “Seinfeld”, mais amigável após ouvir o questionamento.
“Em outras palavras, o que é socialmente aceitável está sempre mudando, mas é nosso trabalho decidir como surfar nessa onda, pensando sempre em fazer rir. Se há algo novo que as pessoas consideram ofensivo, nada muda para nós. Essa conversa sempre existiu.”
Outra face sensível de “A Batalha do Biscoito Pop-Tart” é sua relação com a realidade. Há muita liberdade artística no roteiro, e não houve envolvimento da Kellogg’s na produção, como foi o caso da Mattel com “Barbie”.
Isso exigiu do departamento jurídico da Netflix atenção especial às frases e imagens que poderiam incomodar a fabricante dos Sucrilhos do Tigre Tony -a mascote, interpretada por um Hugh Grant abobalhado, precisou de um visual levemente diferente daquele que tinha nos anos 1960, já distante dos dias de hoje.
Seinfeld é o chamariz do elenco, dando vida ao responsável pelo setor de inovação e novos produtos da empresa. No comando dela está Jim Gaffigan, que vive um romance secreto, à la “Romeu e Julieta”, com a chefona da concorrente Post, interpretada por Amy Schumer.
As duas companhias tentam criar um produto nos moldes do Pop-Tart e, por isso, dão início a uma guerra que envolve espionagem e sabotagem, sempre de forma exagerada e absurda. No elenco também estão Melissa McCarthy, Christian Slater, Bobby Moynihan e James Marsden.
“A ideia de que duas empresas estavam batalhando para criar um café da manhã retangular nos fez rir. Acho que o filme vai acabar gerando publicidade, mas isso nunca foi algo em que pensamos”, diz Feresten. “O que queríamos era reunir pessoas engraçadas e contar uma história boba. O filme, para mim, é como um episódio de ‘Seinfeld’, mas com um orçamento muito maior.”
A BATALHO DO BISCOITO POP-TART
Quando: Estreia nesta sexta (3), na Netflix
Classificação: 12 anos
Elenco: Jerry Seinfeld, Melissa McCarthy e Amy Schumer
Produção: EUA, 2023
Direção: Jerry Seinfeld
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