LEONARDO FUHRMANN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde junho do ano passado, os barcos dos pescadores da lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, não servem para a sua principal função: o trabalho matinal da pesca de linguado, tainha e camarão, principais peixes e crustáceo do estuário. Neste mês, as embarcações ganharam novas funções. Além de servirem para distribuir água potável, alimentos e produtos de higiene para as comunidades tradicionais, acabaram se tornando moradia para as famílias de pescadores.
Com as casas alagadas, alguns pescadores optaram por ficar nos barcos como forma de continuar junto de suas comunidades e também de cuidar de seu instrumento de trabalho. Outros saíram de suas casas e estão acampados em barracas nas áreas mais altas dos povoados, enquanto outra parte concordou em ir para abrigos ou seguir em casas de dois andares mesmo com o térreo tomado pela água.
Os pescadores têm dificuldade de mudar para casas de parentes, porque eles também foram afetados pelas enchentes. E resistem a deixar as colônias não só pelo temor de terem seus poucos bens roubados, mas também para manter os vínculos comunitários.
Moradora da Ilha dos Marinheiros, em Rio Grande, a presidente do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Estado do Rio Grande do Sul, Viviane Machado Alves, está acampada na parte alta do território e tem usado o barco para o atendimento às outras comunidades. “Temos levado água potável, alimentos e produtos de higiene”, diz.
A maioria dos moradores depende de água de poço artesiano e, com a enchente, muitos estão debaixo da cheia e não é possível ligar o motor das bombas. Há também regiões que estão sem energia elétrica por motivos de segurança. Além da pesca, as comunidades vivem da agricultura familiar, principalmente da produção de hortaliças, outra atividade atingida pelas enchentes.
A FURG (Universidade Federal do Rio Grande) tem ajudado os povos tradicionais a se mobilizarem para atender as demandas de quem vive nas margens da lagoa.
Segundo Viviane, os moradores estão com dificuldade de acessar serviços públicos e de assistência social, e na última segunda-feira foi enviada uma carta aberta ao ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, com cópia aos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
O documento é assinado por 28 entidades representativas de pescadores artesanais do estado, que reúnem os cerca de 20 mil profissionais gaúchos do setor. Eles apontam a dificuldade de retornar à atividade profissional, além da destruição de várias comunidades.
“Muitos estão ilhados ou não têm roupas secas para ir buscar seus direitos junto aos assistentes sociais”, diz a presidente do Movimento dos Pescadores. Além dos prejuízos nas moradias, muitos perderam seus equipamentos de pesca.
Viviane fala também em falhas no atendimento à saúde e afirma que problemas respiratórios aumentaram nas comunidades por causa das enchentes. “Na ilha onde moro, por exemplo, chegou uma única equipe médica, que fica em um ponto a mais de dez quilômetros de onde fica uma parte da comunidade”, exemplifica.
PESCA PARADA HÁ QUASE UM ANO
Os pescadores estão em situação delicada desde o ano passado.
A pesca artesanal é suspensa na região de junho a setembro por causa do defeso, época de reprodução das espécies do estuário. A atividade, no entanto, não pôde ser retomada em razão da cheia da lagoa. “O estuário é levemente salgado, a entrada de água do mar ou o excesso de água doce vinda dos rios prejudica a formação das espécies”, afirma Viviane.
Uma decisão do governo federal também impede que os pescadores artesanais do estuário pesquem em área marítima. Apesar de vários relatórios técnicos apontarem para as dificuldades de produção de pescado na região, eles não conseguiram que o Ministério da Pesca e da Aquicultura criasse um plano de proteção a eles, com a extensão de benefícios sociais, por exemplo. Os pedidos são feitos desde o ano passado.
Por meio de nota, o ministério comandado por André de Paula (PSD-PE) não mencionou a ausência de atendimento posterior ao defeso. Disse apenas que os valores foram pagos no ano passado a 7.124 pescadores no Rio Grande do Sul, 2.493 deles na lagoa dos Patos e no litoral norte do estado.
O governo estadual afirma que o “suporte direto às comunidades é feito pelos municípios”.
A prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), reconhece que a Colônia Z3 está entre as áreas mais atingidas no município e que atualmente não há vagas no abrigo ali localizado. “A gente começou a retirar as famílias antes das enchentes, mas nem todas concordaram em sair das casas naquele momento”, diz.
De acordo com a prefeita, a igreja e o salão paroquial da comunidade estão sendo usados como abrigo e muitos dos acampados estão em torno dela, usando a estrutura de comida e banheiros. Ela afirma que o atendimento foi dificultado pela destruição de uma ponte que fica na estrada de terra na orla, mas que o acesso à colônia está sendo feito pela BR-116.
Já a Prefeitura de Rio Grande afirmou, em nota, que foram entregues mais de mil cestas básicas às famílias que permaneceram nas localidades da Ilha dos Marinheiros, Leonídio e Torotama desde o início de maio. “Servidores da Secretaria de Município da Saúde (médicos e enfermeiros) também realizaram visitas às localidades citadas. Marinha e Exército também já realizaram atendimentos de saúde e resgates com aeronaves (helicóptero) na localidade da Ilha dos Marinheiros.”
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