FABIO VICTOR
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Conforme o combinado inicial, o jantar oferecido pelo bilionário boliviano-americano Marcelo Claure ao presidente Lula, em 24 de setembro, seria um evento reservado, para cerca de dez convidados. Apareceram 40.
A recepção, na residência de Claure em Nova York, por ocasião da ida de Lula à Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), só foi confirmada pelo Palácio do Planalto “três ou quatro dias antes”, conta ele.
O investidor de 53 anos se diverte ao lembrar do episódio. “Ao melhor estilo brasileiro, o jantar cresce, porque a demanda para ver Lula sempre é muito alta. Quando o presidente chega, me diz que está muito cansado, que só tem cinco minutos para falar, que quer comer rápido e ir embora. Ele começa a falar e fala por uns 45 minutos. O presidente tem uma capacidade incrível de ler a sala, não é?”, narrou Claure à Folha, em entrevista por videochamada.
Na plateia do que Claure define como “uma noite mágica”, estavam executivos de companhias como Google, Pepsi, Bank of America, TPG, General Atlantic, General Motors, além do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, de Sheikha Mayassa Al Thani, irmã do Emir do Catar, e do presidente da Fifa, Gianni Infantino.
O jantar para Lula foi um dos vários encontros de Claure com o presidente brasileiro em pouco mais de um ano. Semanas antes do evento, o investidor relata que já tinha sido recebido pelo petista para falar dos seus investimentos no país. Não há registro desse encontro na agenda oficial do presidente.
Em novembro do ano passado, a convite do governo brasileiro, Claure integrou uma comitiva de empresários que acompanhou Lula numa viagem oficial à Arábia Saudita, país onde o boliviano tem negócios, conexões e influência.
Antes, em junho de 2023, desta vez com registro na agenda, Claure foi recebido no Palácio do Planalto por Lula. Estava com Josué Gomes, presidente da Fiesp, cuja boa relação com o petista ajudou a abrir portas para o boliviano no governo brasileiro.
Desde o início do ano passado, quando passou a chefiar as operações da Shein na América Latina, Claure também esteve em mais de uma ocasião com o vice-presidente Geraldo Alckmin, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
Tamanha proximidade é proporcional ao apetite de Claure por oportunidades no Brasil. Ele calcula que nos últimos cinco anos investiu cerca de US$ 10 bilhões no país, por meio de suas empresas, fundos parceiros e em seu período no SoftBank -foi pupilo e depois braço direito do lendário Masayoshi Son, fundador do fundo japonês.
Mas o investidor, figura frequente no noticiário de finanças e negócios dos principais veículos do mundo, tem aparecido na mídia brasileira mais na condição de executivo da Shein -da qual é vice-presidente global.
Essa visibilidade aumentou quando a varejista chinesa fez uma cruzada para tentar impedir a taxação de compras internacionais de até US$ 50, a chamada ‘taxa das blusinhas’. Ocorre que, como o próprio bilionário explica, antes de ser um executivo da Shein, ele é um investidor da empresa.
“Não sou funcionário da Shein. Sou investidor na Shein, um investidor de valor agregado. Ajudo as empresas onde invisto. Então, a Shein é um investimento muito grande para mim, de centenas de milhões de dólares, e através do qual preciso que a Shein tenha sucesso”, discorre Claure.
Assim, ele ficou desconsolado com a taxação. Sem querer dar números, admite que a nova realidade afetou as receitas da empresa. “Logicamente o negócio caiu um pouco. Mas se recupera, porque estamos acelerando a internacionalização, para que o Brasil seja um negócio totalmente doméstico.”
Transformar a Shein numa empresa nacional foi um dos compromissos firmados por Claure com Lula e Haddad. “Minha expectativa é que, até 2026, 85% das vendas sejam locais”, disse, repetindo anúncio do ministro da Fazenda, mas diminuindo o prazo -Haddad mencionou até 2027. Hoje, segundo a Shein, mais de 55% das vendas já são locais.
Foi esse intuito, sustenta o executivo, que levou a Shein a fazer um acordo com a Coteminas, empresa têxtil de Josué Gomes. Pelo acerto, que incluiu um empréstimo de US$ 20 milhões (cerca de R$ 100 milhões à época) da varejista chinesa à companhia brasileira, a Coteminas produziria peças para a Shein no Rio Grande do Norte.
O acordo não saiu do papel. Shein e Coteminas informaram que “a etapa de lavação e acabamento final das peças não foi concluída por problemas internos da Coteminas” e prometeram insistir na parceria “assim que a companhia superar o atual momento de recuperação financeira” -está em recuperação judicial.
Segundo Claure, o Brasil é o polo de inovação mundial da Shein fora da China, posição impulsionada pela relação apaixonada que, sustenta, os consumidores locais mantêm com a marca. “É uma empresa que devolve a dignidade às classes C, D e E, porque dá acesso à moda a estratos que não tinham”, ele diz, e aproveita para alfinetar a legislação brasileira.
“Então me choca quando alguém quer aumentar os impostos para as classes C, D e E, mas, quando eu chego ao Brasil, passo no Duty Free, e ali te permitem importar US$ 1.000 pagando zero [de imposto]”.
Mas a parceria com Josué/Coteminas não teria sido também uma estratégia da Shein em busca de atalhos com o poder? Claure considera inferências do tipo intrigas da concorrência. “Minha ignorância era tão grande que, há até pouco tempo, eu não sabia que Josué era filho do ex-vice-presidente do Brasil”, disse, em alusão a José Alencar (1931-2011), que ocupou o cargo nos dois primeiros mandatos de Lula.
“Então nunca usamos Josué porque ele tem uma boa relação com o presidente Lula. Josué é meu amigo, é uma pessoa que ama o Brasil e sempre agiu conosco de uma maneira muito correta e honrosa.”
Josué devolve as loas. “Eu admiro muito os estrangeiros que se apaixonam pelo nosso país, como o Marcelo Claure. Acho que a gente tem um pouco que aprender com eles e dar força a esse tipo de empresário.”
A afinidade entre os dois contribuiu para que desta vez Claure fosse o anfitrião do jantar a Lula em Nova York -organizado por Josué na mesma época em 2023.
Recepcionar em sua casa o presidente brasileiro de certo modo coroou uma relação antiga de Claure com o país. Desde que despontou como empreendedor, em 2017, na distribuidora de celulares Brightstar, ele namora o Brasil. Lembra que a empresa entregava telefones na região amazônica, muitas vezes de caminhão ou de barco.
“O Brasil sempre foi um lugar tão difícil para fazer negócios que muito do que aprendemos foi nesse país. Costumo dizer que qualquer empresário que saiba fazer negócios no Brasil pode fazer negócios em qualquer lugar do mundo, porque o que é feito aí é sempre tão mais complexo que torna o resto do mundo muito mais fácil.”
Ao longo dos anos, Claure descobriu que “o Brasil tem a mesma qualidade de empreendedores que qualquer lugar do mundo, mas não tem as mesmas oportunidades, porque falta capital”.
Para contrariar o diagnóstico, investe em startups como Mottu, Gympass e Cayena, por meio de seu familly office (Claure Group) ou de seu fundo de venture capital (Bicycle) -calcula que ambas gerenciem mais de US$ 4 bilhões em fundos próprios-, e, quando no SoftBank, já investiu em Nubank, Banco Inter e Quinto Andar, entre outras.
Um passo importante da aproximação de Claure com o Brasil foi dado em outubro do ano passado, quando virou sócio da gestora de investimentos eB Capital, de Eduardo Sirotsky Melzer, Pedro Parente e Luciana Ribeiro, que tem cerca de R$ 5 bilhões sob gestão. O boliviano passou a ser o segundo principal sócio, atrás apenas de Melzer, conhecido como Duda.
“O Marcelo é uma turbina dentro da nossa empresa, traz capital, negócios e muita experiência”, afirma Duda. “Uma das grandes agregações dele para o Brasil é a ponte que tem com Arábia Saudita, Oriente Médio.”
O reflexo mais vistoso disso foi a realização no Brasil de uma conferência do FII (Future Investment Initiative), organização bancada, entre outros, pelo PIF (Public Investment Fund), o fundo soberano da Arábia Saudita que tem quase US$ 1 trilhão em ativos. Quem organizou o evento brasileiro do FII -em junho do ano passado, no Copacabana Palace- foi Claure. Lula estava lá.
Dias antes, Alckmin havia liderado outra comitiva de empresários brasileiros à Arábia Saudita. Duda Melzer foi junto, e assinou um memorando de entendimento com o governo saudita pelo qual, segundo noticiado à época, o Ministério de Investimentos do país árabe investiria US$ 3,5 bilhões num fundo de infraestrutura no Brasil. O acordo ainda não saiu do papel.
Claure e Duda estão juntos noutra empreitada relacionada aos sauditas, a E1 Series, torneio mundial de barcos elétricos patrocinado pelo PIF (o fundo soberano do país) em que os donos de equipe são magnatas-celebridades. O Team Brazil by Claure Group concorre com equipes do tenista espanhol Rafael Nadal, do ex-jogador de futebol americano Tom Brady (a atual líder) e do ator Will Smith, entre outras.
Combina à perfeição com o perfil de bon vivant jet-setter que o boliviano cultiva junto com o de ás nos negócios. Nas suas redes sociais, Claure num dia aparece jogando golfe diante do Mar Vermelho, noutro está à beira do gramado de jogos do Girona (Espanha), do Bolívar (Bolívia) ou do New York City (EUA), times de futebol em que investe em parceria com o City Football Group -do Abu Dhabi United Group, da família real daquele país.
O futebol também o ajuda nas conexões políticas. “Sempre que vejo o presidente Lula, ele me diz que tenho que olhar para o Corinthians. Digo que preciso me concentrar em Nova York e na Espanha. Tento não competir diretamente com o City Group. São meus parceiros, então seria um pouco estranho ter um time que competisse com eles.” No Brasil, o City já investe no Bahia.
Marcelo Claure nasceu por acaso na Guatemala, onde seus pais, bolivianos, trabalhavam. Tem nacionalidade boliviana e americana. Formou-se em economia e finanças no Bentley College, em Massachusetts, e radicou-se nos EUA -mora em Miami, mas vive pelo mundo.
Depois de fundar a Brightstar, foi CEO da gigante americana Sprint. “E minha terceira fase é de investidor, quando Masa me convida a ir a Tóquio dizendo que quer me ensinar a investir, que sou um bom empreendedor e um bom operador, mas que faltava a parte de investimento”, ele conta. Masa é o apelido de Masayoshi Son, do SoftBank.
Tornou-se amigo e o principal operador de Masa e junto com ele fez bilhões com empresas do mundo inteiro. Uma delas foi a WeWork, de cuja derrocada Claure faz questão de se dissociar. “Penso que se não tivesse havido uma pandemia, a WeWork seria hoje uma empresa fantástica. E será, porque o coworking é um conceito muito forte quando não há uma pandemia. Para mim a WeWork não foi um fracasso. Enquanto eu a gerenciava, ganhou dinheiro pela primeira vez em sua história.”
Ele conta que, depois de ter feito o IPO da WeWork, não havia mais nada que o empolgasse no Softbank. “Queria essa nova parte da vida que chamo de efeito multiplicador: como posso aplicar meus conhecimentos, capital e contatos para ajudar outros empreendedores.”
Comenta-se no mercado que Claure saiu do SoftBank com US$ 250 milhões. Sua fortuna pessoal é hoje avaliada pela Forbes em US$ 2 bilhões. Entre seus amigos brasileiros estão Jorge Paulo Lemann (3G Capital), Guilherme Benchimol (XP) e André Esteves (BTG) -embora, como observa uma fonte, os dois últimos o tenham também como um concorrente ameaçador.
O investidor de 2 metros de altura (“sou o boliviano mais alto que existe”) brinca que tem “190 investimentos, seis filhos, uma esposa e três times de futebol” e diz que sua vida de trabalho e vida pessoal são uma só. “Quando fazemos investimentos, usamos duas métricas: retorno sobre diversão e retorno sobre investimento. Então tudo o que fazemos são coisas que nos divertem, que nos fascinam.”
Raio-X: Marcelo Claure, 53, nascido na Guatemala, de pais bolivianos, tem nacionalidade boliviana e americana. Formou-se em economia e finanças no Bentley College (EUA). Fundou a Brightstar (distribuidora de celulares), foi CEO da Sprint e VP do SoftBank, de onde saiu para fundar um family office (Claure Group) e uma gestora de fundos (Bicycle). É sócio da brasileira eB Capital e vice-presidente global da Shein.
US$ 10 bilhões é quanto calcula ter investido no Brasil nos últimos cinco anos US$ 4 bilhões é quanto estima que suas empresas gerenciem em fundos próprios US$ 2 bilhões é sua fortuna pessoal, na estimativa da Forbes
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