SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nesta segunda-feira (6), a Boeing pode se tornar a segunda empresa do mundo a levar astronautas à órbita em um veículo próprio, depois da concorrente SpaceX.
A Starliner CST-100, cápsula desenvolvida pela companhia para atender a encomenda de transporte espacial da Nasa, deve partir às 23h34 (de Brasília), a partir da plataforma 41 da Estação da Força Espacial em Cabo Canaveral, Flórida, impulsionada pelo consagrado (e em vias de se aposentar) foguete Atlas 5.
A espaçonave terá a bordo Barry Eugene Wilmore, como comandante, e Sunita Williams, como piloto, ambos astronautas veteranos com dois voos espaciais. Williams, por sinal, vai se tornar a primeira mulher a voar em uma missão inaugural de um novo veículo orbital.
Caso haja algum problema técnico ou meteorológico, há datas de reserva para o lançamento, nos dias 7, 10 e 11. A Starliner deve acoplar à Estação Espacial Internacional (ISS) no dia seguinte ao lançamento e retornar à Terra depois de aproximadamente oito dias.
A expectativa da Nasa e da Boeing é que tudo corra bem e a Starliner seja certificada para realizar voos de rotina levando astronautas à ISS, gerando a desejada redundância para preservar acesso ao espaço mesmo que um dos fornecedores tenha problemas pontuais. Mas, a julgar pelo passado recente, isso está longe de garantido.
DESENVOLVIMENTO ATRIBULADO
Foi em 2014 que a agência espacial americana oficializou seus primeiros contratos para o então novo programa comercial tripulado, em que ela apenas contrata o serviço de transporte, deixando as operações sob encargo de empresas privadas.
Duas companhias foram selecionadas nessa primeira leva: SpaceX (por US$ 2,6 bilhões) e Boeing (por US$ 4,2 bilhões). Ambas tinham a mesma encomenda original: desenvolver um veículo de transporte de tripulações, realizar um voo não tripulado de teste e então um com astronautas a bordo, antes de ser certificada para transporte regular (com novas missões a serem contratadas pela Nasa).
Originalmente, esperava-se o primeiro lançamento de ambas para 2017, mas, com cortes no programa, elas atrasaram.
A Crew Dragon, da SpaceX, foi a primeira a ganhar o espaço, em março de 2019, num voo sem tripulação que acoplou com sucesso à ISS e retornou, demonstrando a viabilidade do sistema. A empresa ainda teve um problema sério quando, num teste da cápsula pós-retorno, o acionamento dos retrofoguetes levou à destruição do veículo. Mas foi possível identificar a origem da falha e corrigi-la rapidamente para as cápsulas seguintes.
No fim daquele mesmo ano, chegou a vez da Starliner, porém o lançamento acabou em fiasco. Um problema com o relógio interno da nave fez com que ela disparasse seus propulsores de forma anômala e entrasse na órbita errada, impedindo um encontro com a estação espacial.
Por pouco, a cápsula não reentrou prematuramente na atmosfera, o que poderia ter ocasionado a perda do veículo -algo nada entusiasmante para o que se espera de uma nave feita para transportar pessoas. O retorno se deu apenas dois dias após o lançamento, de forma controlada, em 22 de dezembro.
A Boeing então decidiu realizar um segundo voo não tripulado de teste, sem custo adicional para a Nasa. A cápsula foi preparada e o lançamento marcado para março de 2021, mas diversos problemas afetaram sua realização, entre eles válvulas defeituosas no sistema de propulsão -descobertas somente quando a cápsula já estava pronta para voar, na plataforma-, o que acabou adiando o voo para maio de 2022.
Nesse meio-tempo, a SpaceX fez seu primeiro voo tripulado com a Crew Dragon, em maio de 2020, e começou a realizar voos regulares à ISS com quatro tripulantes em novembro daquele ano. Isso tornou a empresa de Elon Musk a primeira na história a lançar astronautas à órbita e devolveu aos EUA essa capacidade, perdida desde 2011 com a aposentadoria dos ônibus espaciais da Nasa.
Até o momento, a SpaceX já lançou oito missões regulares à ISS (a mais recente em março deste ano), além de alguns voos comerciais a clientes como a empresa Axiom e o bilionário Jared Isaacman, que realizou a primeira missão 100% privada à órbita em 2021.
Já a Boeing, a despeito de originalmente ser vista como a aposta mais segura do programa comercial da Nasa, acabou sendo apenas a mais cara -e ainda precisa se provar. É o que está em jogo na missão desta segunda-feira.
A turbulência no desenvolvimento da Starliner vem na esteira de uma série de falhas no segmento de aviação da Boeing, mais notadamente em problemas com o modelo 737 Max, que jogou luz em diversas falhas de controle da qualidade da empresa. No passado, ela foi tida como uma joia da indústria americana. Hoje, há dúvidas de qual será o seu papel no futuro dos segmentos aéreo e espacial.
O voo da Starliner pode ser um divisor de águas para tentar recuperar o prestígio perdido. Em caso de sucesso, os EUA pela primeira vez terão dois fornecedores privados independentes para voo espacial tripulado, conforme a Boeing planeja começar seus voos regulares tripulados à ISS em 2025.
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