(FOLHAPRESS) – O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assumiu nesta terça (7) um inédito quinto mandato à frente do Kremlin afirmando que seu país não se nega a conversar com o Ocidente, mas que seus rivais precisam escolher se querem o diálogo ou o conflito. “Juntos, venceremos”, afirmou.
“Eles terão de escolher se querem a estabilidade estratégica”, afirmou, numa referência ao poderio militar de quem detém o maior arsenal nuclear do mundo, ao lado dos Estados Unidos. Pregou conversas em termos iguais, como já havia feito. De todo modo, o discurso no ornado Salão de Santo André, no Grande Palácio do Kremlin, foi surpreendentemente comedido.
Na véspera, Putin usou a chancelaria russa para elevar ainda mais o seu embate com o Ocidente. Ameaçou atacar alvos militares do Reino Unido caso armas britânicas sejam usadas pela Ucrânia contra a Rússia e determinou exercícios com armas nucleares devido à sugestão da França de enviar tropas ao país que invadiu em 2022.
Os países da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) ficaram, no geral, longe do evento. De seus principais integrantes, apenas a França, ironicamente, enviou seu embaixador para a pomposa cerimônia. EUA, Reino Unido, Alemanha e outros, não. O Brasil estava representado pelo seu embaixador em Moscou, Rodrigo Baena Soares.
Nesse contexto, a curta fala de Putin, de 7 minutos após a leitura do juramento presidencial, foi suave. Ele defendeu a segurança dos russos, a multipolaridade e a cooperação com parceiros. Também elogiou e agradeceu aos soldados de sua guerra por “defenderem o país”.
Admitiu haver “sérios desafios” à frente, mas pregou unidade nacional para enfrentá-los. A composição do seu novo gabinete, que deverá reconduzir o demissionário premiê Mikhail Michustin, poderá sinalizar se haverá mudanças de rumo na economia.
Se não havia dignitários estrangeiros, sobraram no Kremlin figurinhas carimbadas de eventos com Putin, como o ator americano naturalizado russo Steven Seagal e o patriarca ortodoxo russo, Cirilo.
Putin citou o apoio que teve no pleito de março, em que foi reeleito com recordistas 87%, algo chamado de farsesco no Ocidente -uma acusação descartada como propaganda pelo Kremlin. Com uma popularidade acima dos 85%, provavelmente seria ungido de qualquer forma, não menos devido à imobilidade do sistema político russo. Seu mais vocal opositor, Alexei Navalni (1976-2024), morreu misteriosamente na prisão poucas semanas antes da eleição.
Aos 71 anos e com pelo menos mais seis anos de poder, Putin caminha para ser o mais longevo líder russo da história moderna. O título, caso ele esteja no Kremlin em 2028, será tomado do ditador soviético Josef Stálin (1878-1953), atual detentor da marca.
Trajetória começou nos anos 1990
Vladimir Vladimirovitch Putin, nascido na antiga Leningrado (hoje São Petersburgo), surgiu na política de forma meteórica. Um tenente-coronel da temida KGB com passagem considerada medíocre por seus superiores na ex-Alemanha Oriental, ele começou sua vida pública na prefeitura da cidade natal.
Não demorou muito tempo para chegar a Moscou, onde trabalhou na administração presidencial de Boris Ieltsin (1931-2007). Voltou ao mundo das sombras ao dirigir o poderoso FSB (Serviço Federal de Segurança, na sigla russa, o sucessor da KGB) em 1998.
Um ano depois, com o declínio final da era Ieltsin, marcado pela implosão econômica da Rússia, ele tornou-se mais um primeiro-ministro desconhecido no Kremlin. Só que, desde que sentou na cadeira do poder em 9 de agosto daquele ano, nunca mais a deixou.
Cimentou seu poder liderando uma brutal segunda guerra contra separatistas na Tchetchênia, que ampliaram sua popularidade. No réveillon de 2000, um frágil Ieltsin renunciou e entregou o poder a Putin, que foi confirmado como presidente na primeira de suas eleições, três meses depois.
Amparado na fome chinesa por commodities, que favoreceu também o Brasil que Lula (PT) assumiria em 2003, Putin reconstruiu a economia russa. O círculo com ares mafiosos em torno de Ieltsin foi sendo desmontado, substituído por uma mistura de liberais e egressos dos serviços de segurança, os chamados “siloviki” (durões, em russo).
Os últimos acabaram por prevalecer, dominando o capitalismo de Estado híbrido que caracteriza a economia russa. Seja como for, o Ocidente se aproximou do novo líder, favorecendo sua então juventude e disposição de cooperação.
Ela durou de fato até sua primeira reeleição, em 2004. Três anos depois, Putin fez um famoso discurso entregando as linhas de conflito baseadas naquilo que os russos chama de traição do Ocidente após a derrota da União Soviética na Guerra Fria, em 1991: a expansão da Otan ao leste, absorvendo antigos satélites comunistas de Moscou.
Um ano depois, colocaria a teoria em prática ao guerrear com a pequena Geórgia, tomando de fato 20% do território do vizinho. Ficou por isso, principalmente dada a importância energética da Rússia para países europeus, principalmente a Alemanha. Em 2008, voltou ao cargo de premiê enquanto um protegido, Dmitri Medvedev, fazias as vezes de presidente –posto que reassumiu no pleito de 2012, o que críticos apontam como o ponto de inflexão do endurecimento do regime.
Em 2014, a derrubada do governo pró-Moscou em Kiev levou à anexação da Crimeia e à guerra civil no leste do vizinho, evitando uma adesão às estruturas ocidentais. O impasse em torno da situação levou à guerra que virou de ponta-cabeça a ordem mundial há pouco mais de dois anos, e que hoje é o centro da gestão de Putin.
Até aqui, os russos driblaram as sanções draconianas impostas pelo Ocidente devido ao conflito, e a tensão política só fez crescer, como as quase triviais ameaças nucleares na praça mostram.
Tendo revertido o curso da guerra em seu favor, após um início desmoralizante para suas forças, Putin aposta no correr do tempo -de resto, a mudança que promoveu na Constituição sobre a qual pousou a mão nesta manhã em 2020 pode lhe manter no cargo até os 83 anos, se for reeleito em 2030.
Na quinta (9), comandará o desfile anual do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial, nova oportunidade para tomar o pulso militarista do líder em suas falas.
Enquanto isso, o principal aliado da China na Guerra Fria 2.0 espera a definição da corrida eleitoral americana. Ele diz preferir a previsibilidade do atual mandatário, Joe Biden, mas é segredo de polichinelo que a russofilia e a falta de interesse de Donald Trump por Kiev é apreciada no Kremlin.
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