TETÉ RIBEIRO
VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – A plateia da sessão para a imprensa de “Manas”, primeira exibição com público do filme dirigido pela recifense Marianna Brennand, na manhã deste sábado (31), deixou o público que quase lotava a sala de cinema sem ação, depois da cena final.
A trama, baseada em várias histórias reais, chocantes e atuais de meninas que sofrem abuso sexual, tanto dentro de casa quanto nas balsas de comércio que circundam a Ilha do Marajó, no Pará, é contada com muita delicadeza.
Nas entrelinhas, com silêncios e cenas que insinuam, o longa nunca entrega tudo mastigado para o espectador.
Quase sem trilha sonora, com a fotografia naturalmente exuberante da floresta amazônica, “Manas” segue a jornada de Tielle, de 13 anos, interpretada por Jamilli Correia. Ela mora numa palafita na beira do imenso rio Tajapuru com o pai, a mãe grávida, dois irmãos e uma irmã mais nova, e venera a irmã mais velha, Claudia, de quem não tem notícia.
Tielle passa os dias brincando sozinha ou com sua irmãzinha na floresta, nadando no rio, frequenta a escola para crianças ribeirinhas e uma igreja evangélica com sua família. Quase ao mesmo tempo, a menina ouve de sua mãe que “está na hora de ir para a balsa tentar arrumar um homem bom”, ideia que seu pai rejeita com veemência, apesar de ele ser o primeiro abusador da menina.
“Quem me contou que essa situação acontecia -e continua acontecendo- foi a Fafá de Belém, mais de dez anos atrás”, conta a diretora, em entrevista à Folha em Veneza. “Minha intenção inicial era fazer um documentário de denúncia. Mas no começo da pesquisa logo percebi que seria impossível botar aquelas crianças na frente das câmeras, seria outra violência”.
Assim que optou pelo caminho da ficção, Marianna procurou Dira Paes, que interpreta uma policial que investiga casos de abuso na região. Dira aceitou o convite na mesma hora e, ter o nome de uma das atrizes mais relevantes do cinema brasileiro no projeto, ajudou a diretora a conseguir apoio financeiro.
“O filme é um manifesto, sim, é um convite para todo mundo se levantar e não deixar que isso continue assim”, diz a atriz. “A ação do filme é muito localizada, mas esse tema é universal, abuso de crianças acontece no mundo inteiro. Mas o que me deixa mais feliz nessa história é que o resultado dessa nossa saga é um longa-metragem que me enche de orgulho porque é muito bem feito, modéstia à parte”.
O público da primeira sessão em Veneza, formado por jornalistas do mundo inteiro, parece dar razão à atriz paraense. Foi bastante aplaudido no final, mas o mais impressionante foi o fato de a maioria das pessoas presentes ter ficado como que grudada na cadeira até os créditos finais, cheio de nomes de brasileiros desconhecidos.
Era como se a violência que a plateia só imagina, nunca vê, fosse ainda mais terrível de aceitar do que se tivesse sido mostrada.
O curta-metragem “Minha Mãe É Uma Vaca”, que terá sua estreia mundial na quinta-feira (5) também têm uma adolescente como personagem principal e é baseado em uma passagem real da vida da diretora, Moara Passoni, que colaborou com roteiro e direção de algumas cenas do documentário “Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa, exibido fora da competição no mesmo festival.
“Eu nasci e fui criada no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo, e sempre tive um medo inexplicável de perder a minha mãe, como a personagem do filme”, contou a cineasta, em Veneza. “E, no começo da minha adolescência, passei uma temporada de três meses no Pantanal, na fazenda de uma tia, em que uma vaca sem bezerro foi morta para ser comida, e aquilo foi muito marcante para mim”.
No curta, Mia, de 11 anos, é deixada pela mãe em um ônibus rumo ao Pantanal, porque sua vida corre algum tipo de risco. Assustada, ela passa os dias na fazenda fazendo uma espécie de simpatia para descobrir se a mãe está a salvo ou em perigo, e pedindo muito a Deus que a proteja.
A fazenda está sofrendo duas ameaças simultâneas, uma provocada pela outra: os incêndios que acontecem nas terras vizinhas se aproximam, e uma onça tem matado bezerros, deixando suas mães sem razão de existir. Mia acaba se conectando com uma das vacas, a Mimosa, e transfere ao animal o instinto que tem de proteger sua própria mãe.
Moara também é autora do documentário “Êxtase”, de 2020, exibido em vários festivais pelo mundo e ganhador do prêmio Doc Fortnight, do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. “Eu tendo a examinar, na minha obra, experiências da minha vida pessoal”, conta a cineasta, que sofreu de anorexia dos 11 aos 18 anos, doença a qual é o tema do documentário.
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