THIAGO STIVALETTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1969, com 27 anos, Ítala Nandi ficava nua em “Na Selva das Cidades”, espetáculo do Teatro Oficina. Na época, ela deu uma entrevista para a revista Realidade numa edição que foi removida das bancas pela censura da ditadura militar. O motivo: uma frase que ela disse.
“Eu falei que, se um homem transa muito, ele é maravilhoso; se a mulher transa muito, é puta”, relembra. Se a frase ofendeu os militares, é porque continha mais do que um fundo de verdade.
Agora, aos 82, ela vive Donatela, a única mulher numa cena de orgia com cinco rapazes jovens em “O Clube das Mulheres de Negócios”, novo filme de Anna Muylaert, diretora de “Que Horas Ela Volta?”. O filme terá sua primeira sessão neste sábado (10), na competição do Festival de Gramado.
Mostra um grupo de mulheres ricas, poderosas e armadas que inverteram o jogo e tratam os homens como meros objetos sexuais. “A Anna me falou que, quando jovem, eu fui uma grande libertadora da sexualidade feminina. E que hoje, quem precisa dessa libertação são as mulheres da minha idade”, conta.
A filmagem da cena mais delirante de “O Clube das Mulheres de Negócios” durou três horas e, segundo ela, foi exaustiva. “Eu nem sei o que aconteceu. Era tanto homem, um de cada lado, outro por cima… Meu Deus!”, lembra, aos risos. “Os rapazes foram todos muito queridos, e depois ainda me carregaram no colo.”
Mas a imagem de mulher liberal e sexualmente ativa, construída desde os anos 1960 ao lado de sua melhor amiga, Leila Diniz (1945-1972), está longe de representar a Ítala da vida real. “Eu nunca fiz suruba, saí do Oficina justamente porque não queria participar. Nunca fui muito de transar. Casei com três diretores que eram mais intelectualizados. Fui casada nove anos com o Zé Celso e nunca transamos. Minha relação sempre foi muito mais espiritual”, relembra. “Até o Frei Betto me chamava de freira.”
Ítala fica feliz com as conquistas do feminismo, mas sente que o problema agora se desviou para outro lado. “Hoje tá todo mundo transando com facilidade. Mas penso que a grande crise atual não é sexual. É de amor. Estamos num momento de grande carência”, avalia.
Amiga da Leila
O nu que fez no palco no final dos anos 60 veio acompanhado de certa inocência. “Eu jurava que aquilo já tinha sido feito no teatro de revista. Não tinha a menor ideia que era algo tão novo. Eu entrava com um robby roxo feito pela Lina Bo Bardi e ficava nua para declarar o amor. Na cena, o Othon Bastos ficava de costas para mim e dizia, brincando: ‘pô, todo mundo te vê pelada, menos eu!'”, recorda.
É dessa época sua amizade profunda com Leila Diniz, atriz considerada um ícone da liberação feminina, que morreu prematuramente num acidente de avião. Ítala estava grávida de oito meses quando viu numa banca de jornal a capa da revista Manchete falando da morte da amiga. O impacto foi tamanho que ela passou mal e teve que ir às pressas para o hospital. O filho, Juliano, nasceu naquele mesmo dia.
A surra da vingança
Foi só depois de fazer muito cinema e teatro que Ítala engatou uma carreira mais sólida na TV. Ela já tinha 45 anos quando fez o seu personagem mais célebre: Joana, a Louca do Sobrado, que enfrentava a fúria do Barão de Montserrat em “Direito de Amar” (1987), trama das 18h.
Ela e Carlos Vereza combinaram que fariam para valer as cenas em que Montserrat batia em Joana. “Eu chegava toda roxa em casa, meu filho ameaçava até matar o Vereza. Mas um dia eu me vinguei. Liguei para o [autor] Walther Negrão e pedi para ele escrever uma cena de revanche, em que a Joana dava uma porrada nele”, recorda.
Outros personagens marcantes da mesma época foram a taberneira Loulou Lion de “Que Rei Sou Eu?” (1989) e a Madeleine da primeira versão de “Pantanal” (1990), na Manchete. Em 2007, uma personagem cult: a cientista por trás da criação dos Mutantes em “Caminhos do Coração”, na Record.
Para calar de vez a boca dos etaristas, Ítala rodou o país com o monólogo “Paixão Viva”, em que relembra sua vida e carreira. No cinema, vai aparecer em mais dois filmes: “Possessões”, de Tiago Santiago, e o drama “Malês”, com direção de seu amigo Antonio Pitanga.
Em Salvador, estreia em setembro nos palcos “A Visita da Velha Senhora”, numa produção da Universidade Federal da Bahia. E ainda vai publicar seu quinto livro infantojuvenil, “A Menina e o Manjericão”, escrito a quatro mãos com sua neta Sofia. Aos 82, a vida ainda pode ser uma bela orgia.
“O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert
Exibição neste sábado (10), no Festival de Gramado
Estreia em novembro nos cinemas
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