CLAUDINEI QUEIROZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cada 11 anos, o Sol alterna seu ciclo de mínimo, quando está mais calmo, e máximo solar, quando atinge o auge de sua atividade. Hoje, vivemos justamente o momento mais ativo, que deve se estender até outubro. Isso significa que, até lá, são maiores as chances não só de ver auroras em locais em que o fenômeno é atípico, mas de sofrer com interrupções em sinais de GPS e internet.
O temor dos cientistas é que um evento da mesma magnitude do de Carrington –a maior tempestade geomagnética já registrada, em 1859– se repita, o que poderia desencadear uma pane nos sistemas elétricos e de comunicação, deixando o planeta às escuras.
No 1º de setembro daquele ano, o astrônomo inglês Richard Carrington estudava manchas solares quando observou uma imensa explosão luminosa no Sol. Dezessete horas depois, auroras transformaram a noite em dia em toda a América do Norte, chegando até a Colômbia. Também foram vistas em Montevidéu, Uruguai.
O episódio causou interrupções generalizadas nos sistemas de telégrafo de todo o mundo, o meio de comunicação mais moderno na época, e as correntes induzidas da tempestade até incendiaram alguns terminais, segundo publicações. Mas também houve relatos de operadores de telégrafo que conseguiram manter conversas por duas horas mesmo com os equipamentos desligados, usando só a energia da atmosfera.
“Dependendo da intensidade da tempestade, as partículas podem romper algumas linhas do campo magnético da Terra, que ficaria menos protegida da atividade solar. Em uma situação bem extrema daquelas, de 1859, se voltar a ocorrer, nossos aparelhos domésticos poderiam ter panes elétricas e dar choques à toa”, explica Marcelo Zurita, astrônomo da Bramon (Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros).
“Se fosse nos dias de hoje, num momento em que nos encontramos na era de comunicação digital, o prejuízo –não só o financeiro– seria incalculável”, completa Marcel Nogueira de Oliveira, físico do Observatório Nacional.
A inversão do polo magnético do Sol
A previsão de que o atual máximo solar vai até outubro deste ano foi feita por um painel de cientistas de várias agências internacionais –a projeção mostra antecipação de um ano no auge em relação à anterior, de 2019.
A estimativa do grupo é que o atual máximo tenha entre 137 e 173 manchas solares por mês. Maio deste ano, por exemplo, acumulou 171, conforme medição do Centro de Previsão Climática Espacial, do NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA).
A catalogação dos ciclos solares começou em janeiro de 1749. Mas as manchas são vistas há mais de 2.000 anos, muito antes da invenção do telescópio no início do século 17. Textos de Teofrasto, filósofo grego que viveu entre 372 e 287 a.C., já mencionavam o fenômeno, assim como registros do império chinês desde o ano 165 a.C.
Com o passar do tempo e o avanço da qualidade dos equipamentos ópticos para estudar o astro, foi possível observar o que acontece em sua coroa e coletar dados da radiação solar em diferentes comprimentos de onda, como raios X, luz visível e raios gama.
Assim, foi identificado que no máximo solar é quando a estrela joga diariamente no espaço bilhões de toneladas de partículas carregadas que interferem no campo magnético terrestre. Isso aconteceu em uma ejeção de massa coronal em 10 de maio deste ano, acarretando a maior tempestade geomagnética em mais de duas décadas, classificada como extrema.
À época, a tempestade se traduziu em auroras em diversos países, entre os quais alguns onde o fenômeno é incomum, como Chile, Argentina e México.
A Starlink, braço de satélites da SpaceX, de Elon Musk, chegou a fazer um alerta sobre um “serviço degradado” como consequência da tempestade geomagnética. A empresa possui cerca de 60% dos cerca de 7.500 satélites que orbitam a Terra e é dominante na internet via satélite.
Em fazendas nos Estados Unidos, equipamentos que dependem de GPS deixaram de funcionar, segundo o jornal The New York Times.
Atividade solar de 10 a 16 de junho deste ano
Nesses sete dias, o Observatório de Dinâmica Solar da Nasa registrou 20 erupções solares da classe M, uma da classe X (a maior), 31 ejeções de massa coronal e 1 tempestade geomagnética
Previsão espacial tenta antecipar tempestades
Para tentar entender melhor a dinâmica solar e prever possíveis tempestades extremas, há três sondas de olho apenas no astro: a Solar Orbiter, da ESA (Agência Espacial Europeia), a Parker Solar, da Nasa (Agência Espacial dos EUA) e a Aditya-L1, lançada em setembro passado pela Índia.
Apesar desse big brother espacial, não haverá muito tempo para os cientistas reagirem a uma tempestade desse nível. No caso das erupções solares, as partículas chegam à Terra em oito minutos, por viajar na velocidade da luz. As ejeções de massa coronal mais poderosas demoram entre 18 e 24 horas. E os ventos solares de alta velocidade provenientes das manchas, cerca de dois dias.
Esse é o tempo em cada um dos tipos de fenômeno que os cientistas teriam para desligar os equipamentos suscetíveis a danos devido a tempestades geomagnéticas e evitar viagens aéreas nas regiões dos polos.
Alessandra Pacini, doutora em geofísica espacial pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e hoje cientista da divisão de clima espacial da NOAA, diz que uma forma de previsão é observar as regiões mais ativas do Sol mais atentamente.
“Observamos essa área através da composição magnética em raios X e, como o movimento de rotação do Sol é de 27 dias, conseguimos saber com até um mês de antecedência que essa área complexa vai rodar e aparecer no leste do Sol em 27 dias. Então, mudamos as probabilidades de ocorrência de flare. Isso ocorreu em maio, quando houve uma série de tempestades no mesmo lugar”, afirma Pacini.
Marcel Oliveira, do Observatório Nacional, reforça que o investimento nesse campo de pesquisa é a chave para melhor entendermos o Sol e, assim, aperfeiçoar as ferramentas de previsão de eventos extremos. “Se soubermos com determinada antecedência que um evento assim está para ocorrer, podemos tomar as medidas necessárias para mitigar os estragos.”
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