SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Israel cometeu crimes contra a humanidade na Faixa de Gaza, afirmou nesta quarta-feira (12) um relatório da ONU que acusa tanto Tel Aviv quanto o Hamas de crimes de guerra no atual conflito no território palestino.
As descobertas são fruto de de dois relatórios da Comissão de Inquérito das Nações Unidas, órgão criado após a guerra de 11 dias entre o Estado judeu e o grupo terrorista em maio de 2021 -um sobre os ataques de 7 de outubro e outro sobre a resposta de Israel.
A comissão, que também tem mandato para estudar as causas do conflito israelense-palestino, cita crimes como tortura, tratamento desumano, extermínio e violência sexual ao longo da atual guerra. Para isso, o órgão se baseia em documentos e entrevistas com vítimas, que aconteceram de maneira remota e durante uma missão na Turquia e no Egito.
Israel, que não cooperou com a comissão, rejeitou as descobertas e mencionou o que considera um viés anti-Tel Aviv da entidade. O Hamas, por sua vez, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário da agência de notícias Reuters.
Segundo a comissão, Israel cometeu “crimes contra a humanidade de extermínio; assassinato; perseguição de gênero contra homens e meninos palestinos; transferências forçadas, atos de tortura e tratamentos desumanos e cruéis”.
Ao contrário do genocídio, os crimes contra a humanidade não são, necessariamente, direcionados contra um grupo da população -eles podem ser contra qualquer população civil, segundo a ONU. Para serem classificados como tal, porém, devem ser cometidos em larga escala, ao contrário dos crimes de guerra, que podem ser atos isolados.
“O enorme número de vítimas civis em Gaza e a destruição generalizada de infraestrutura civil foram resultado inevitável de uma estratégia empreendida com a intenção de causar o máximo de danos, ignorando os princípios de distinção, proporcionalidade e precauções adequadas”, afirma o documento.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, liderado pelo Hamas, a guerra já deixou mais de 37 mil palestinos mortos e quase 85 mil feridos, números que incluiriam milhares de crianças.
Além de crime contra a humanidade, os investigadores também identificaram crimes de guerra de Israel, como o uso da fome no conflito. De acordo com a comissão, Tel Aviv não apenas deixou de fornecer suprimentos essenciais como alimentos, água, abrigo e medicamentos aos palestinos, mas também agiu “para impedir o fornecimento dessas necessidades por qualquer outra pessoa”.
No início do conflito, Israel fez um bloqueio total a Gaza, que foi flexibilizado aos poucos, mas nunca permitiu um fluxo adequado de ajuda humanitária, de acordo com organizações que atuam no território.
Segundo a Global Nutrition Cluster, ligada à ONU, 96% das crianças que tem entre 6 e 23 meses e das mulheres em Gaza não conseguem ter os nutrientes necessários com a sua alimentação atual. Além disso, 498 trabalhadores da área da saúde foram mortos desde o início do conflito, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.
Na Cisjordânia, a comissão constatou que as tropas de Tel Aviv “cometeram atos de violência sexual, tortura, tratamentos desumanos ou cruéis e atentados contra a dignidade pessoal, que constituem crimes de guerra”, e afirmou que o governo “permitiu, encorajou e incitou uma campanha de violência” por parte dos colonos israelenses.
O relatório afirma ainda que algumas declarações de autoridades israelenses, como as que “refletem a política de infligir uma destruição generalizada e matar um grande número de civis”, podem constituir crimes internacionais graves, como a incitação ao genocídio, à discriminação e à violência.
Os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro, que resultaram em mais de 1.200 mortes, segundo Tel Aviv, e no sequestro de mais de 250 pessoas, também foi alvo da comissão.
Segundo o órgão, os grupos armados palestinos cometerem vários crimes de guerra, incluindo ataques contra civis, assassinatos e atos de tortura. A entidade também identificou “esquemas de violência sexual”, que visaram em particular as mulheres israelenses, e concluiu que esses não foram incidentes isolados.
“É imperativo que todos os que cometeram crimes sejam responsabilizados”, afirmou a presidente da comissão, a sul-africana Navi Pillay, em um comunicado. “A única maneira de acabar com os ciclos recorrentes de violência, incluindo agressões e represálias das duas partes, é garantir o respeito estrito ai direito internacional.”
Pillay, que já foi Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos e presidente do TPI (Tribunal Penal Internacional) para Ruanda, também pediu ao Hamas a outros grupos armados que “interrompam imediatamente os lançamentos de foguetes e libertem todos os reféns”, o que também constitui crime de guerra. O Exército israelense afirma que 116 reféns permanecem em cativeiro em Gaza, e 41 estariam mortos.
As evidências reunidas por esses órgãos com mandato da ONU podem servir de base para processos por crimes de guerra. Elas poderiam ser utilizadas, por exemplo, pelo TPI, no qual promotores solicitaram, no mês passado, mandados de prisão para o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, seu chefe de defesa e três líderes do Hamas.
A embaixadora de Israel nas instituições da ONU em Genebra, Meirav Shahar, acusou a comissão de “discriminação sistemática” contra Tel Aviv. Segundo um comunicado dela, o órgão “demonstrou mais uma vez que suas ações estão todas a serviço de uma agenda política focada contra Israel”.
A comissão acusa autoridades israelenses de obstruir suas investigações e negar acesso a Israel e aos territórios palestinos ocupados.
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